Em passagem

Celebrámos há poucos dias a festa da Páscoa. A palavra “páscoa” vem do hebraico “pesah”, que significa “passagem”. Ainda hoje, ao começo da ceia pascal que cada família judaica invariavelmente celebra onde quer que esteja, a tradição manda que o mais novo à mesa se levante, e pergunte ao mais velho “que estamos aqui reunidos a celebrar?”. E este, também solenemente de pé, explica que “Páscoa” é a memória da passagem do povo hebraico através do Mar Vermelho, fugindo do Egipto, terra da escravidão e do medo, para Israel, a terra da liberdade e da promessa de vida.

Tem por isso graça que os vários textos desta Newsletter sobre eventos na casa voltem a acertar com o tempo que vivemos, e falem de passagem e de mudança. Foi o workshop “Vidas Ubuntu”, no início do mês, que levou a que pessoas pouco habituadas a partilhar, conseguissem contar a história e fazer um vídeo das suas vidas. Foi a vinda de um par de animadores da Casa da Música ao Centro que transformou um conjunto de pessoas pouco habituados à música, num coro de vozes e ritmos acertados. Foi finalmente a Festa da Páscoa da semana passada, e os seus vários momentos, a gerar um sentimento de comunhão tão simples e “normal” entre todos, que facilmente nos podemos esquecer que éramos mais de 100 pessoas, entre utentes, voluntários, amigos e equipa, de 22 países diferentes!

Esta acaba por ser mais uma das marcas deste Centro, ser “casa que permite a passagem”. Nele temos tido o privilégio de assistir a pessoas que “passam” do desânimo e do isolamento desconfiado, à esperança e à abertura aos outros. Ou a quem, vindo de uma falta de recursos quase absoluta, “passa” para a segurança de um emprego minimamente estável. E não há passagem que não fique completa se, uma vez do lado da liberdade, a pessoa não se torna ela mesma “ajudadora” de outros a fazer as suas passagens. Como dizia uma vez uma voluntária ao utente que ajudou, “a melhor forma de me agradeceres é agora ajudares alguém quando tenhas oportunidade”. Vidas e corações agradecidos e disponíveis, esse é de facto o grande fruto da Páscoa. Que continue a ser, nestas semanas e pela vida fora, um bom “tempo de passagem” para todos!

P. Filipe sj