Páscoa, tempo de encontro
Celebrámos há poucos dias a Páscoa, e a alegria é agora o que marca este tempo. Mais do que um sentimento que depende das circunstâncias exteriores, a alegria de que falava Jesus e ao longo da história tantos outros homens e mulheres “santos” (i.e., movidos pelo Bem), é o fruto de uma atitude interior, a decisão de quem dedica a vida aos outros e à construção de um mundo melhor. No entanto, essa alegria não pode estar separada da preocupação pelo mundo que ainda está muito longe daquilo que podia ser, marcado também pela falta de partilha e pela violência de que diariamente nos falam as noticias. Este ano, no mesmo fim de semana em que celebrámos a festa maior da tradição cristã, chegava-nos a notícia de mais um atentado suicida na Síria, desta vez a uma coluna de autocarros que evacuavam civis, na sua maioria crianças, da cidade de Aleppo.
Diante de tais notícias, o primeiro impulso é pensar que quem o fez é malvado, ou então louco. Que levará alguém a querer dar a morte (e morrendo também nessa ação) a dezenas de crianças? Que justificação, que dor, ódio ou medo, terá levado alguém a considerar que todas aquelas pessoas deveriam morrer? Às vezes pergunto-me se a visão que divide mundo entre bons e maus, gente sã e gente louca, não é demasiado simples. Toda a explicação simples da realidade, na verdade, é sempre “simplista”. E esses “simplismos”, visão do mundo a preto-e-branco, não existe somente lá fora, mas também na nossa realidade quotidiana. Ele surge, por exemplo, quando afirmamos que todos os refugiados que chegam a Portugal são potenciais terroristas. Ou quando opinamos que os imigrantes nos vêm roubar os empregos (está provado que, pelo contrário, eles estimulam a economia). Ou ainda quando no fundo achamos que os pobres o são porque não querem trabalhar ou se empenham pouco. Se cada um de nós parar a pensar nisso, quase de certeza encontra em si mesmo alguma destas ideias pré-concebidas, que tomam a eventual parte pelo todo, e que nos condicionam subtilmente o olhar sem nos darmos conta disso.
A solução, como já Mandela defendia para a integração racial na sua amada África do Sul, passa não (só) pelas ideias, mas pela prática do contato real e da comunhão. Os preconceitos só caiem quando conhecemos pessoas “reais” que desfazem os mitos e generalizações que antes tínhamos. É o contato com pessoas em situações de pobreza que nos faz perceber as dificuldades “reais” que vivem, ou a forma como o seu passado tantas vezes difícil as condiciona. É só conhecendo as histórias reais de imigrantes que nos vemos “na sua pele”, e caímos na conta que teríamos provavelmente tomado a mesma decisão de partir (ninguém deixa a sua terra de ânimo leve). Esta tem sido, cada vez mais, a experiência de comunidade-comunhão que se vive no Centro. E que resulta enriquecedora para todos, utentes e voluntários, estrangeiros e nacionais, gente com posses (que assim se abre à partilha) e gente sem elas. Que o espírito da Páscoa nos continue a abrir e a levar ao outro, seja ele “próximo” ou “distante”, em todos os contextos em que nos movemos. E que continuemos a encontrar a alegria que esse encontro verdadeiro, mesmo se inicialmente desafiante, sempre provoca.
P. Filipe sj